sábado, 24 de março de 2012

«Queríamos ver a Jesus» (Jo 12,21). Este pedido, feito ao apóstolo Filipe por alguns gregos que tinham ido em peregrinação a Jerusalém por ocasião da Páscoa, ecoou espiritualmente também aos nossos ouvidos ... Como aqueles peregrinos de há dois mil anos os homens do nosso tempo, talvez sem se darem conta, pedem aos crentes de hoje não só que lhes «falem» de Cristo, mas também que de certa forma lh'O façam «ver». E não é porventura a missão da Igreja reflectir a luz de Cristo em cada época da história, e por conseguinte fazer resplandecer o seu rosto também diante das gerações do novo milénio?
Mas, o nosso testemunho seria excessivamente pobre, se não fôssemos primeiro contemplativos do seu rosto;..., ao retomarmos o caminho de sempre, conservando na alma a riqueza das experiências vividas neste período muito especial, o olhar permanece mais intensamente fixo no rosto do Senhor.
João Paulo II, «Novo Millennio Ineunte», 6.

quinta-feira, 22 de março de 2012

«Sede perfeitos» dissera o Mestre aos seus discípulos: e agora o Apóstolo exortava a viver segundo esta medida alta da vida cristã que é a santidade. Pode fazê-lo porque os irmãos aos quais se dirige são «escolhidos por Deus, santos e amados». Também aqui na base de tudo está a graça de Deus, há o dom da chamada, o mistério do encontro com Jesus vivo. Mas esta graça exige a resposta dos baptizados: requer o compromisso de se revestir dos sentimentos de Cristo: ternura, bondade, humildade, mansidão, magnanimidade, perdão recíproco, e sobretudo, como síntese e coroamento, o agape, o amor que Deus nos deu mediante Jesus e que o Espírito Santo derramou nos nossos corações. E para se revestir de Cristo é necessário que a sua Palavra habite entre nós e em nós com toda a sua riqueza, e em abundância. Num clima de constante acção de graças, a comunidade cristã alimenta-se da Palavra e eleva até Deus, como cântico de louvor, a Palavra que Ele mesmo nos doou. E cada acção, cada gesto, cada serviço, é realizado no âmbito desta relação profunda com Deus, no movimento interior do amor trinitário que desce até nós e volta para Deus, movimento que na celebração do Sacramento eucarístico encontra a sua forma mais alta.
Bento XVI, Homilia na Basílica de São Gregório al Celio,
nas Vésperas por ocasião da visita do arcebispo de Cantuária (sábado, 10 de Março de 2012)

quinta-feira, 15 de março de 2012

Oração para pedir a Chuva

Deus, nosso Pai, Senhor do Céu e da Terra (Mt 11, 21)
Vós sois para nós existência, energia e vida (Act 17, 2).
Criastes o homem à Vossa imagem
(Gn 1, 27-28)
a fim de que com o seu trabalho ele faça frutificar
as riquezas da terra
colaborando assim na Vossa criação.
Temos consciência da nossa miséria e fraqueza:
nada podemos fazer sem Vós (Jo 15, 5).
Tu, Pai bondoso, que sobre todos fazes brilhar o sol (Mt 5, 45)
e fazes cair a chuva,
tem compaixão de todos os que sofrem duramente
pela seca que nos ameaça nestes dias.
Escuta com bondade as orações que Vos são dirigidas
com confiança pela Vossa Igreja (Lc 4, 25),
como satisfizestes com as súplicas do profeta Elias (1Rs 17, 1)
que intercedia em favor do Vosso povo (Tg 5, 17-18).
Fazei cair do céu sobre a terra árida
a chuva desejada
a fim de que renasçam os frutos (Tg 5, 18)
e sejam salvos homens e animais (Sl 35, 7).
Que a chuva seja para nós o sinal
da Vossa graça e da Vossa bênção:
assim, reconfortados pela Vossa misericórdia (Is 55, 10-11),
dar-Vos-emos graças por todos os dons da terra e do céu,
com os quais o Vosso Espírito satisfaz a nossa sede (Jo 7, 37-38).
Por Jesus Cristo, Vosso Filho, que nos revelou o Vosso amor,
fonte de água viva, que brota para a vida eterna (Jo 4, 14).
Ámen.

Oração do Papa Paulo VI, composta em 1976,
quando se abateu sobre o continente europeu um período de seca prolongada.

quinta-feira, 1 de março de 2012

PALAVRA DE VIDA
Março de 2012
Chiara Lubich
«A quem iremos nós, Senhor?
Tu tens palavras de vida eterna!»
(Jo 6, 68).
Jesus falava do Reino de Deus às multidões que vinham para O ouvir. Falava com palavras simples, usando parábolas sobre a vida de todos os dias. Mas a sua maneira de falar tinha um fascínio muito especial, encantava. As pessoas ficavam impressionadas porque Ele ensinava como alguém que tem autoridade, e não como os doutores da Lei. Mais tarde, até os guardas que O foram prender – respondendo aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntaram porque é que não tinham cumprido as ordens – disseram: «Nunca nenhum homem falou assim!» (Jo 7, 46).
O Evangelho de São João cita alguns diálogos cheios de luz com determinadas pessoas, como Nicodemos ou a samaritana. Jesus, quando fala aos Seus apóstolos, aprofunda ainda mais: fala abertamente do Pai e das coisas do Céu, já sem usar comparações. Eles ficam conquistados, e não O deixam, nem sequer quando não compreendem perfeitamente as Suas palavras, ou quando estas lhes parecem demasiado exigentes.
«Que palavras insuportáveis!» (Jo 6, 60), disseram-Lhe alguns discípulos quando O ouviram dizer que lhes daria o Seu corpo a comer e o Seu sangue a beber.
Jesus, ao ver que esses discípulos se afastavam e já não andavam com Ele, dirigiu-se aos Doze Apóstolos: «Também vós quereis ir embora?» (Jo 6, 67).
Pedro, já ligado a Ele para sempre, fascinado pelas palavras que Lhe tinha ouvido pronunciar desde o dia em que o encontrara, respondeu, em nome de todos:
«A quem iremos nós, Senhor?
Tu tens palavras de vida eterna!»
(Jo 6, 68)
Pedro tinha percebido que as palavras do Seu Mestre eram diferentes das palavras dos outros mestres. As palavras terrenas pertencem à Terra e têm o mesmo destino que a Terra. As palavras de Jesus são espírito e vida porque vêm do Céu. São uma luz que desce do Alto e têm a força do Alto. Possuem uma densidade e uma profundidade que as outras palavras não têm, sejam elas de filósofos, políticos ou poetas. São «palavras de vida eterna» (Jo 6, 68) porque contêm, exprimem e comunicam a plenitude daquela vida que não tem fim, porque é a vida do próprio Deus.
Jesus ressuscitou e vive. E as Suas palavras, ainda que pronunciadas no passado, não são uma simples recordação. São palavras que Ele dirige hoje a todos nós e às pessoas de todos os tempos e de todas as culturas: palavras universais, eternas.
As palavras de Jesus! Devem ter sido a Sua maior arte, se assim se pode dizer. O Verbo que fala com palavras humanas: que conteúdo, que intensidade, que tom, que voz!
«Certo dia – conta, por exemplo, Basílio, o Grande (São Basílio (330-379), bispo de Cesareia, Padre da Igreja) –, pareceu-me despertar de um sono profundo. Abri-me à maravilhosa luz da verdade evangélica e compreendi a inutilidade da sabedoria dos mestres deste mundo» (Ep. CCXXIII, 2).
Teresa de Lisieux, numa carta de 9 de maio de 1897, escreveu: «Às vezes, quando leio certos tratados espirituais (…) a minha pobre inteligência cansa-se muito depressa, fecho o sábio livro que me quebra a cabeça e me seca o coração, e pego na Sagrada Escritura. Então tudo me parece luminoso, uma só palavra revela à minha alma horizontes infinitos e a perfeição parece-me fácil» (Santa Teresa do Menino Jesus, “Carta 226”, em Obras Completas, Edições Carmelo, Paço de Arcos, 1996, p. 608).
Sim, as palavras divinas saciam o espírito, feito para o infinito. Iluminam interiormente não só a inteligência, mas todo o ser, porque são luz, amor e vida. Dão paz – aquela que Jesus chama Sua: «a minha paz» – mesmo nos momentos de inquietação e de angústia. Dão alegria plena, até no meio do sofrimento que, por vezes, despedaça a alma. Dão força, sobretudo quando nos falta a coragem e sentimos o desânimo. Tornam-nos livres, porque abrem o caminho da Verdade.
«A quem iremos nós, Senhor?
Tu tens palavras de vida eterna!»
(Jo 6, 68)
A Palavra de Vida deste mês lembra-nos que o único Mestre que queremos seguir é Jesus, até quando as suas palavras nos possam parecer duras ou demasiado exigentes: ser honestos no trabalho, perdoar, pôr-se ao serviço dos outros, em vez de pensar egoisticamente em nós mesmos, permanecer fiel à vida familiar, assistir a um doente em fase terminal sem ceder à ideia da eutanásia…
Há muitos mestres que nos convidam a escolher soluções fáceis, a entrar em “compromissos”. Mas nós queremos ouvir o único Mestre e segui-Lo a Ele, que é o único que diz a verdade e tem «palavras de vida eterna». Assim, também nós podemos repetir as palavras de Pedro.
Neste período da Quaresma, em que nos preparamos para a grande festa da Ressurreição, devemos realmente entrar na escola do único Mestre e tornarmo-nos Seus discípulos. Também em nós deve nascer um amor apaixonado pela Palavra de Deus: ouçamo-la com atenção quando nos for proclamada nas igrejas, quando a lermos, estudarmos, meditarmos...
Mas nós somos chamados, sobretudo, a vivê-la, segundo o ensinamento da própria Escritura: «Tendes de a pôr em prática e não apenas ouvi-la, enganando-vos a vós mesmos» (Tg 1, 22). É por isso que, todos os meses, tomamos especialmente uma em consideração, deixando que ela nos penetre, nos molde, que “viva em nós”. Vivendo uma palavra de Jesus vivemos todo o Evangelho, porque Ele dá-Se completamente em cada uma das Suas palavras. É Ele mesmo que vem viver em nós. É como uma gota de sabedoria divina do Ressuscitado, que lentamente vai abrindo espaço dentro de nós e vai substituindo o nosso modo de pensar, de querer, de agir em todas as circunstâncias da vida.
Publicada em Cidade Nova, 2003/2 (Março/Abril), pp. 22-23.