quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Desejo-vos:
«Santo e Feliz Natal»
e imploro para todos, junto do Presépio,
«bênçãos abundantes e generosas
do Verbo feito carne
que habita entre nós».
São Francisco de Assis
e o Presépio

A suprema aspiração de Francisco, o seu mais vivo desejo e mais elevado propósito era observar em tudo e sempre o Santo Evangelho e seguir a doutrina e os passos de Nosso Senhor Jesus Cristo com suma aplicação da mente e fervor do coração. Reevocava as suas divinas palavras em meditação assídua e jamais deixava de ter presentes, em aprofundada contemplação, os passos da sua vida. Tinha tão vivas na memória a humildade da Incarnação e a caridade da Paixão, que lhe era difícil pensar noutra coisa.
Mui digno de piedosa e perene memória foi o que ele fez três anos antes da sua gloriosa morte, perto de Greccio, no dia da Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Vivia nessa comarca um homem, de nome João, de boa fama e melhor teor de vida, a quem o bem-aventurado Pai queria com singular afeição, pois sendo ele de nobre e honrada linhagem, desprezava a prosápia do sangue e aspirava unicamente à nobreza do espírito. Uns quinze dias antes do Natal, Francisco mandou-o chamar, como aliás amiúde fazia, e disse-lhe: «Se queres que celebremos em Greccio o próximo Natal do Senhor, vai imediatamente e começa já a prepará-lo como vou dizer. É meu desejo celebrar a memória do Menino que nasceu em Belém de modo a poder contemplar com os meus próprios olhos o desconforto que então padeceu e o modo como foi reclinado no feno da manjedoura, entre o boi e o jumento». Ao ouvir isto o fiel e bondoso amigo, dali partiu apressadamente a fim de preparar no lugar designado tudo o que o Santo acabava de pedir.
E o dia chegou, festivo, jubiloso. Foram convocados irmãos dos vários conventos em redor. Homens e mulheres da região, coração em festa, prepararam, como puderam, círios e archotes para iluminarem aquela noite que viu aparecer no céu, rutilante, a Estrela que havia de iluminar todas as noites e todos os tempos. Por fim, chega Francisco. Vê que tudo está a postos e fica radiante. Lá estava a manjedoura com o feno e, junto dela, o boi e o jumento. Ali receberia honras a simplicidade, ali seria a vitória da pobreza, ali se aprenderia a lição melhor da humildade. Greccio seria a nova Belém.
A noite resplandecia como o dia, noite de encanto para homens e animais. Vem chegando gente. A renovação do mistério dá a todos motivos novos para rejubilarem. Erguem-se vozes na floresta e as rochas alcantiladas repercutem os hinos festivos. Os irmãos entoam os louvores do Senhor, e entre cânticos de júbilo fremente decorre toda a noite. O santo de Deus está de pé diante do presépio, desfeito em suspiros, trespassado de piedade, submerso em gozo inefável. Por fim, é celebrado o rito solene da Eucaristia sobre a manjedoura, e o sacerdote que a celebra sente uma consolação jamais experimentada.
Francisco reveste-se com os paramentos diaconais, pois era diácono e, com voz sonora, canta o santo Evangelho. A sua voz potente e doce, límpida e bem timbrada, convida os presentes às mais altas alegrias. Pregando ao povo, tem palavras doces como o mel para evocar o nascimento do Rei pobre e a pequena cidade de Belém.
Por vezes, ao mencionar a Jesus Cristo, abrasado de amor, chama-lhe o «menino de Belém», e, ao dizer «Belém», era como se imitasse o balir duma ovelha e deixasse extravasar da boca toda a maviosidade da voz e toda a ternura do coração. Quando lhe chamava «menino de Belém» ou «Jesus», passava a língua pelos lábios, como para saborear e reter a doçura de tão abençoados nomes.
Entre as graças prodigalizadas pelo Senhor nesse lugar, conta-se a visão admirável com que foi favorecido certo homem de grande virtude. Pareceu-lhe ver, reclinado no presépio, um menino sem vida. Mas tanto que dele se abeirou o Santo, logo despertou, suavemente arrancado ao sono profundo. De resto, não deixava esta visão de ter um sentido real, já que, pelos méritos do Santo, o Menino Jesus ressuscitou no coração de muitos que o tinham esquecido e a sua imagem ficou indelevelmente impressa em suas memórias.
Terminada a solene vigília, todos voltaram para suas casas cheios de inefável alegria.

Tomás de Celano - Vida Primeira (1 C 84-86) - texto da época

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

«Desalojaram Jesus»
Aproxima-se o Natal e as ruas da cidade cobrem-se de luzes.
Uma fila interminável de lojas, uma riqueza fina, mas excessiva. À esquerda do nosso carro, uma série de montras chamam a nossa atenção. Do outro lado do vidro, a neve cai graciosamente: ilusão de óptica. Além disso, meninos e meninas em trenós puxados por renas e animaizinhos “criados” por Walt Disney. E mais trenós, o Pai Natal, veadinhos, porquinhos, lebres, rãs, fantoches e anões vermelhos. Tudo se mexe com elegância. Ah! Ali estão os anjinhos… Não! São fadazinhas, inventadas recentemente para enfeitar a paisagem branca.
Acompanhado pelos pais, um menino põe-se em bicos de pés e observa, fascinado.
Mas, no meu coração, a incredulidade e, depois, quase a rebelião: este mundo rico “apoderou-se” do Natal e de tudo o que o rodeia, e “desalojou” Jesus! Aprecia, do Natal, a poesia, o ambiente, a amizade que suscita, os presentes que sugere, as luzes, as estrelas, os cânticos. Aposta no Natal tendo em mira o maior lucro do ano… Mas não pensa em Jesus.
«Veio ao que era Seus e os Seus não O receberam…». «Não havia lugar para Ele na hospedaria…», nem sequer no Natal.
Esta noite não dormi. Este pensamento manteve-me acordada. Se voltasse a nascer faria muitas coisas. (…) Imprimiria os mais lindos cartões de boas-festas do mundo. Produziria estátuas e estatuetas com a arte mais requintada. Gravaria poesias, canções passadas e presentes, ilustraria livros para crianças e adultos sobre este “mistério de amor”, escreveria argumentos para representações ou filmes. (…)
Hoje, agradeço à Igreja que salvou as imagens.
Quando, há alguns anos, estive num país onde dominava o ateísmo, um sacerdote esculpia estátuas de anjos para recordar às pessoas o Céu. Hoje entendo-o melhor. Exige-o o ateísmo prático que invade agora o mundo, por toda a parte. Não há dúvida de que este apoderar-se do Natal e chegar até a expulsar o Recém-Nascido, é uma coisa que angustia.
Que ao menos em todas as nossas casas se grite Quem nasceu, preparando-Lhe uma festa sem igual.
Chiara Lubich

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Mensagem de Natal
do Arcebispo de Évora
“Natal da Moderação,
da Justiça e da Piedade”

Não há outra quadra festiva que exerça tanto fascínio na mente das crianças, dos jovens e dos adultos de todas as idades como o Natal. Mas nem sempre pelas melhores razões.
É que à volta do Natal entrecruzam-se múltiplas motivações de carácter económico e comercial, cultural e artístico, religioso e social. Por isso, ele começa a ser anunciado e preparado com tanta antecedência pelos meios de comunicação social, que incentivam, persistentemente, ao consumismo, com recurso às mais sofisticadas técnicas publicitárias, criadas para adormecer as consciências e mover as vontades na direcção desejada.
A sede do consumismo chega a ser avassaladora. E, quando está aliada com ideologias agnósticas e laicas, os seus efeitos tornam-se deletérios em relação ao Natal que, sendo uma festa cristã, corre o risco de se paganizar, deslizando apenas para uma festa de família ou para a época das compras e dos presentes.
Os cristãos precisam de estar atentos a estas mentalidades, que se vão arraigando no espírito das novas gerações. Sirva de exemplo o caso daquele pai que, depois de se ter esforçado por fazer compreender aos seus filhos, ainda crianças e adolescentes, o sentido cristão do Natal, ouviu da boca de uma das suas filhas: sim, meu pai, mas o melhor do Natal são os presentes.
A mentalidade consumista baseia-se no princípio da abundância material, promove o egoísmo e gera desinteresse pelos mais carenciados da sociedade, em oposição ao sentido genuíno do Natal.
Pois, o nascimento de Jesus fala-nos de ternura, de partilha, de amor, de humildade e de salvação da humanidade decaída no pecado. Como podemos ler na carta de S. Paulo a Tito, seu estimado discípulo, com o nascimento de Jesus em Belém, manifestou-se a graça de Deus, que nos ensina a viver com moderação, justiça e piedade, no mundo actual (2,11).
A graça de Deus manifestou-se como Palavra encarnada em Jesus Cristo. Adquiriu um rosto. Pode ser escutada por ouvidos humanos e pode ser tocada por mãos suplicantes.
Manifestou-se como luz intensa que rasga as trevas do pecado e do mal para iluminar os caminhos da humanidade, pondo a descoberto os erros e os perigos que espreitam na berma da estrada. A Palavra de intensa luz, que encarnou no seio de Maria e se manifestou em Belém, ensina-nos a viver com moderação, com justiça e com piedade.
É por isso que, da humildade do presépio onde nasceu, Jesus continua a fazer-nos um veemente apelo à moderação no modo de pensar e de viver, combatendo os excessos desregrados, para que, nesta época de crise económica, os mais carenciados também possam ter, na mesa da abundância, o lugar a que têm direito, no âmbito da saúde, da habitação, da educação, do trabalho e das condições mínimas para um estilo de vida saudável.
Numa sociedade em que são frequentes os atropelos à justiça, pela distorção das leis e pelo retardamento culposo da sua correcta aplicação, a mensagem que brota do presépio continua a dirigir-se aos homens de boa vontade, para que unam o seu saber e os seus esforços, no restabelecimento da paz e da justiça, empenhando-se na erradicação da pobreza, na promoção da ecologia, no combate à fraude e à exploração vergonhosa dos pobres e dos inocentes. Quando a hipocrisia domina muitas das relações institucionais e o isolamento e a solidão afectam uma parte considerável da nossa população, é urgente que aprendamos com Jesus Cristo a reinventar um novo estilo de relação interpessoal.
Ele, que sempre estabeleceu relações autênticas de amor, de beleza e de bondade com o Pai e com todos quantos a Ele recorriam, convida-nos a viver a piedade, no seu sentido mais genuíno, tanto em relação a Deus como em relação aos nossos semelhantes, substituindo o ritualismo e a hipocrisia pela autenticidade, de forma que as palavras encontrem eco nas atitudes e estas sejam reforçadas pelos actos praticados.
Sentindo-me unido a todos os diocesanos, particularmente aos que sofrem ou se encontram em provação, desejo que todos saibam escutar a mensagem libertadora que brota do presépio e por ela a prendam a viver com moderação, justiça e piedade.
Natal de 2008
+José, Arcebispo de Évora

domingo, 14 de dezembro de 2008

III Domingo do ADVENTO
“…o Senhor … me enviou a anunciar a boa nova …,
a curar os corações atribulados,
a proclamar a redenção … e a liberdade …,

a promulgar o ano da graça do Senhor.
Exulto de ALEGRIA no Senhor…”
Livro de Isaías

“Vivei sempre ALEGRES, orai sem cessar,
dai graças em todas as circunstâncias …
avaliai tudo, conservando o que for bom.
Afastai-vos de toda a espécie de mal”.
1ª Carta de São Paulo aos Tessalonicenses
“…veio para dar TESTEMUNHO da luz”.

Evangelho de São João

domingo, 7 de dezembro de 2008

II Domingo do ADVENTO
“Eis o vosso Deus.
O SENHOR Deus VEM…”.
Livro de Isaías
“O Senhor não tardará
em cumprir a sua PROMESSA
deve ser santa a vossa vida
e grande a vossa piedade,
esperando a vinda do dia de Deus”.
2ª Carta de São Pedro
PREPARAI o caminho do Senhor,
endireitai as suas veredas”.
Evangelho de São Marcos

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Palavra de Vida
Dezembro de 2008
Chiara Lubich
«Não se faça a minha vontade,
mas a Tua»
(Lc 22, 42).[1]
Lembram-se? Foram as palavras que Jesus dirigiu ao Pai no Jardim das Oliveiras e que dão sentido à Sua Paixão, seguida da Ressurreição. Esta frase exprime com toda a intensidade o drama que se passou no íntimo de Jesus. Revela a ferida interior provocada pela repugnância profunda da Sua natureza humana diante da morte determinada pelo Pai. Mas Cristo não ficou à espera daquele dia para aderir com a Sua vontade à vontade de Deus. Ele fez isso durante toda a vida. Se foi esta a conduta de Cristo, então deve ser esta a atitude de todos os cristãos. Cada um de nós deve repetir na sua vida:
«Não se faça a minha vontade, mas a Tua»
(Lc 22, 42).
É muito possível que não tenhamos pensado nisso, mesmo sendo baptizados, e filhos da Igreja. Muitas vezes reduzimos esta frase a uma expressão de resignação, que se pronuncia quando não se pode fazer mais nada. Mas não é esta a sua verdadeira interpretação.
Atenção! Na vida, podemos escolher duas direcções: fazer a nossa vontade, ou optar livremente por fazer a vontade de Deus.
E teremos então duas possibilidades: a primeira, que depressa se tomará decepcionante, é como escalar a montanha da vida só
com as nossas ideias limitadas, com os poucos meios que temos, com os nossos pobres sonhos, contando só com as nossas forças. A partir daí, mais tarde ou mais cedo, vai chegar a experiência da rotina de uma existência cheia de tédio, de mediocridade, de pessimismo e, às vezes, até de desespero. Uma vida monótona, apesar do nosso esforço por tomá-la interessante, que nunca chegará a satisfazer o nosso íntimo mais profundo. Temos que o admitir. Não o podemos negar. E, no fim de tudo, virá uma morte banal, que não deixará rasto: apenas algumas lágrimas e tudo cai num esquecimento inexorável, total e universal. A segunda possibilidade é quando também nós repetimos com Jesus:
«Não se faça a minha vontade, mas a Tua»
(Lc 22, 42).
Se virmos bem, Deus é como um sol. Deste sol partem muitos raios que se projectam sobre cada pessoa. Representam a vontade de Deus sobre cada uma delas. Durante a sua vida, os cristãos, e também as pessoas de boa vontade, são chamados a caminhar em direcção ao sol, seguindo a luz do raio de sol que lhe é próprio, diferente e distinto de todos os outros. E poderão realizar o projecto maravilhoso, pessoal, que Deus tem para cada um.
Se assim fizermos, vamo-nos sentir envolvidos numa divina aventura, nunca antes imaginada. Seremos, ao mesmo tempo, actores e espectadores de um qualquer coisa de grandioso que Deus realiza em nós e, através de nós, na humanidade. Tudo aquilo que vier a acontecer-nos, como os sofrimentos e alegrias, graças e desgraças, factos importantes (tais como sucessos ou momentos de sorte, acidentes ou a morte de entes queridos), factos insignificantes (como o trabalho do dia-a-dia em casa, no escritório ou na escola), tudo, tudo vai adquirir um significado novo, porque nos é oferecido pela mão de Deus que é Amor. Tudo o que Ele quer, ou permite, é para o nosso bem. E, se no princípio acreditamos nisso apenas com a fé, veremos depois, com os olhos da alma, que existe um fio de ouro a ligar acontecimentos e coisas, a compor um magnífico bordado: é o projecto de Deus para cada um de nós.
Pode ser que esta perspectiva te atraia também e queiras sinceramente dar um sentido mais profunda à tua vida. Então ouve. Vou dizer, antes de mais,
quando se deve fazer a vontade de Deus. Se pensarmos bem: o passado já não existe e não podemos voltar a tê-lo. Só nos resta coloca-lo na misericórdia de Deus. O futuro ainda não chegou. Havemos de o viver quando se tornar actual. Nas nossas mãos só temos o momento presente. É nele que devemos viver a Palavra:
«Não se faça a minha vontade, mas a Tua»
(Lc 22, 42).
Quando se quer fazer uma viagem - e a vida é também uma viagem -, sentamo-nos sossegados no nosso lugar. Não nos passa pela cabeça pôr-nos a andar para trás e para diante na carruagem do comboio. Era o que fariam aqueles que querem viver a vida a sonhar com um futuro que ainda não existe, ou a pensar no passado que nunca mais vai voltar.
Não, o tempo caminha por si. É preciso concentrarmo-nos
no presente para chegarmos à plena realização da nossa vida aqui na Terra.
Podem perguntar-me: mas
como é que posso distinguir a vontade de Deus da minha? No momento presente não é difícil saber qual á a vontade de Deus. Vou-te indicar um caminho. Ouve bem, dentro de ti, uma voz delicada, que muitas vezes sufocamos, e que se torna quase imperceptível. Mas, se a ouvirmos bem: é a voz de Deus[2]. Ela diz-nos que aquele é o momenta de ir estudar, ou de ajudar quem tem necessidade, ou de trabalhar, ou de vencer uma tentação, ou de cumprir um dever de cristão ou de cidadão. Convida-nos a dar atenção a alguém que nos fala em nome de Deus, ou a enfrentar com coragem situações difíceis... Temos que a ouvir. Não façamos calar essa voz: é o tesouro mais precioso que possuímos. Sigamo-la! E, então, momenta a momento, construiremos a nossa história pessoal. É uma história humana e, ao mesmo tempo, divina, porque feita por cada um de nós em colaboração com Deus. Veremos maravilhas. Veremos o que Deus pode fazer numa pessoa que diz, com toda a sua vida:
«Não se faça a minha vontade, mas a Tua»
(Lc 22, 42).
[1] Palavra de Vida, Agosto de 1978, Publicada em Essere la tua Parola, Chiara Lubich e cristiani di tutto il mondo, Roma, 1980, pp. 81-84.
[2] Cf. Jo 18, 37; cf. Ap 3, 20.